O Dependurado

Bebo um café em Roma,
Com vista sobre a baixa do Marquês.
Telhados cor da carne de Heróis
O Tejo ao fundo...

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O Tejo das canoas e das fragatas,
Já não o conheci porque, dizem os velhos, já morreu.
O meu Tejo tem navios de carga e gruas cinzentas
Tem também espuma escura e fétida.
As almas tristes cruzam-no, nos batéis de Singapura.
Antes assim não fosse.
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Desvio os olhos da janela

Bebo o resto do café.

Levanto-me, abotoo o sobretudo castanho,

Saio p'las escadas rolantes, e desço.

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Oiço uma voz a cantar.

É uma Negra.

Voz magnifica, voz de Deusa.

É louca, coitada, mas aquela voz...

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Entro numa livraria empoeirada,

Mas já sei que não vou comprar nada.

Vou só ver caras.

Há sempre um ou outro lunático por lá, perdido,

De óculos baços, sujos, velhos, vestido com trapos.

Fazem lembrar os profetas do apocalipse. Ninguém lhes liga.

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Já tou na rua, não sei o que fazer.

Na realidade não me apetece fazer nada.

Não, ja sei! Apetecia-me ir à exposição de arte do Amadeu,

Aquela na fundação do arménio. Mas já é tarde. Já findou.

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Conteto-me com comprar um pulôver vermelho.

Giro e cheio de estilo,

Tragoo sem experimentar

Há dinhero e eu não sei poupar...

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E agora? Sou capaz de me vir embora.

Desço da Aurea, até ao Paço dos Reis.

Não há trânsito absolutamente nenhum na rua.

É tão estranho que chega a parecer um filme italiano.

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Lá está ele. O cego que toca guitarra portuguesa.

Dedilha as cordas como se tivesse medo de as partir,

De uma maneira que até doi no coração.

Meto a mão ao bolso. Uma moeda de dois euros.

Não chega. Não lhe quero dar uma esmola e sim uma reconpensa.

Mas dois euros são uma esmola. Guardo-os.

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Não quero ver mais.

Fico triste de olhar para o cego.

Cruzo o Terreiro do Paço em velocidade cruzeiro

E entro nos batéis de Singapura. Venho para casa.

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